Luís Campos (Blind Joker)
(Escrito por Rebeca Serra)
O gnomo Lole estava sozinho no castelo...
Aproveitando a ausência da Madame Mínima, que viajara até o Hades para
buscar o seu novo bichinho de estimação, um dos filhotinhos de Cérbero,
brincava com a varinha da sua ama, fazendo com que os seus carrinhos de
brinquedo corressem por todo o pátio da antiquíssima residência.
De repente, do fundo do poço, ouviu a ama chamá-lo:
- Loooooooole! Loooooooole!
Venha me ajudar aqui!
E o gnominho tratou de colocar a varinha da Mínima no lugar e correr
para ajudá-la a sair do poço.
Era sempre assim. A cada descida da Madame Mínima ao Hades; para
retornar, ela precisava da ajuda do gnomo, pois vinha carregada de
coisitas que lá ia buscar e não dava conta de subir sozinha.
Lole suspirou profundamente, imaginando que o novo "animalzinho" da
Mínima iria ser páreo duro de encarar!
- Loooooooooole!
Está surdo, gnomozinho atrapalhado?!
Me ajuda aqui, me ajuuuuuuuuuda!
Looooooogo! Imediataaaaaamente!
Lole jogou a escadinha de cordas mágicas pelo poço abaixo e tratou de
descer; voltando em seguida, carregado com os pacotes da Madame Mínima,
que vinha logo atrás dele e, olhando para baixo, dizia:
- Vem, vem, vem, meu bichinho lindo!
Vem, gracinha de cachorrinho!
Lole, que já havia deixado os pacotes sobre a arca da sala, voltava
para ajudar a sua senhora e, quase caiu de costas ao ver saltar do poço
que levava ao Hades, aquele animal enorme!
Tinha, pelo menos, o triplo do tamanho da Mínima, sendo mesmo maior que o
Danyl, depois de virar dragão.
Mas, isto não era surpreendente, pois as únicas criaturas menores que
a Madame Mínima naquele castelo, eram o próprio gnomo e a gata Miau.
- Olha que beleza, Lole!
O nosso bichinho, o mais novo filhote de Cérbero, o cão gigantesco
que guarda as portas do inferno, com uma das Harpias!
- Madame Mínima, esse tal de Cérbero não teria, por acaso, uma cria
do tipo poodle, pequenês ou yorkshire?
- Não, Lole! Mas veja como ele é fofinho... além das três cabeças,
essas asas lhe dão um toque especial, não é?
E que beleza de pelagem grisalha ele tem!!
- Éééé! Mas eu gostaria que ele fosse um pouquinho menorzinho!
Seria mais apropriado para o seu porte, né, Madame Mínima?
- O Danyl era grande e você não tinha medo dele, Lole!
- Mas ele não tinha essas caras tão feias, Madame Mínima!
Ao ouvir o que disse Lole, uma das cabeças, a mais gorducha, rosnou
feio para o gnomo.
Lole deu um pulo para trás e Madame Mínima reclamou com a cabeça:
- Calma, lindinho!
- E como é o nome dessa coisa, Madame Mínima?
- Ele se chama Tridog e irá ocupar as antigas dependências do Danyl,
aquele dragão ingrato!
- Madame Mínima... essas cabeças têm nome?
- Vou apresentá-las a você, Lole, mas preste bastante atenção aos
seus nomes e características, para não fazer trapalhadas ou vou me
zangar!
- Nã... nã... não se preocupe, Madame... vou tomar muito cuidado com o
seu novo... seu novo... "bichinho"!
- Sim, acho bom!
Esta cabeça aqui do meio, é o Reidog, a mais sensata das três e vive
conciliando as divergências entre a da direita, a Eddog, que é um
tanto politicamente correta demais e vive a discursar longa e
lerdamente; enquanto que a da esquerda... a da esquerda é a Pardog.
É uma cabeça muito brigona e só se acalma quando solta a voz a uivar
musicalmente!
- Eu penso, companheira, que as nossas novas acomodações devem obedecer
todas as normas de acessibilidade prescritas nas documentações que
acompanham o pedigree que a companheira recebeu nos escritórios de
registros de entradas e saídas do Hades e que possamos...
Dizia o Eddog, a cabeça da direita, quando foi bruscamente interrompida
pela Pardog, a da esquerda:
- Cala a boca, seu filho de um cão dos infernos!
Lá vem o sacana com seus discursos políticos enfadonhos!
- Calma, meu! Acabamos de chegar ao novo lar e já estão procurando
confusão? - tentou conciliar o Reidog.
- Companheiro, você não pode, com sua intransigência, me cercear a
palavra. Sou a cabeça melhor preparada para...
- Para o quê, Eddog, seu pulguento? - interrompeu, mais uma vez, a
nervosa Pardog.
- O meu, para com isto! Fica frio, mano!
A Madame parece ser gente boa, meu! E não vai ficar feliz com a gente
se vocês não pararem!
Por que não dizem uma coisa que eu gostaria de ouvir?
Ah... vamos, vamos! Digam alguma coisa que o Reidogzinho gostaria deouvir
para que eu fique feliz e tranquilo, vamos!
- Isto mesmo! Parem com este arerê, oxente!
Não quero mais animaisinhos que me tragam dor de cabeça! Basta a
ingratidão do Danyl, a perturbação da Miau a insistir que eu faça isto
ou aquilo ao modo dela e a minha nova criação de pererecas cabeludas que
a Madréa fez o favor de me deixar... e nem sei o que o meu mentor, o Exu
do Alecrim, dirá desta confusão toda com a sua matéria prima para
despachos...
- Madame Mínima! Já ia me esquecendo... chegou correspondência para a
senhora pela bola de cristal e, como as luminescências são cor de
abóbora, só pode ter vindo da tia Madréa! - informou o gnominho.
- Ah! A Madréa me escreveu?
Só quero saber o que tem para me dizer à respeito da acolhida que deu
ao meu ingrato dragãozinho e que explicação tem para este pererecário em
que transformou o meu galinheiro!
Mas, terei que aguardar até o Tridog estar bem acomodado e alimentado.
- Eu quero umas batatinhas fritas, filet à parmigiana e arroz à grega,
saca?
E, para acompanhar, meu... digo, minha, quero um suquinho de pitanga,
saca?
Ah! Quero uma TV para assistir aos jogos de Futecão e às corridas da
Fórmula cão, saca, meu?... minha?
E... tem, por aí, alguma obra do José de Alencar, meu... minha?
- Essa porra de cabeça central é mesmo esnobe!
Eu quero uma pizza tamanho família para começar, seguida por uma super
macarronada regada a dois litros de coca-cola e biscoitos de banana com
sorvete para a sobremesa ou vou morder os beirais do seu telhado,
bruxinha pimenta!
É imprescindível que eu receba o melhor microfone do mercado e
acomodações com revestimento acústico para ensaiar minhas apresentações
e, claro, sanduíches e bolos de hora em hora, tô avisando!
- Companheira e gentil senhora, eu gostaria, se fosse possível, dentro
das normas civilizadas de hospitalidade, que me fornecesse um pratinho
de feijoada e uma latinha de cerveja. Sou uma cabeça modesta e educada
no mais alto padrão canino e não procuro tornar a minha estada neste
recinto num entrave para a boa convivência com os novos companheiros.
Até porque, acredito piamente que seremos conscientes e lutaremos
juntos, sob a efígie da igualdade e fraternidade, respeitando mutuamente
as...
- Tá bom, tá bom!
Lole, providencie tudo, meu amorzinho.
Trate bem do nosso bichinho que a Minimazinha está doida para verificar
a correspondência.
O pequenino gnomo, exasperado com a quantidade de novas tarefas, estava
saudoso da Miau, que se virava sozinha e do Danyl, que com uma boa dúzia
de pintinhos, ficava satisfeito...
- Ah, Lole! Leve-o para os subterrâneos e apresente o quarto que mandei
reformar para ele.
O Danyl fez tantas reclamações que, para evitar que o meu novo bichinho
fuja, resolvi tornar mais confortáveis as celas... quero dizer, os
quartos, do calabouço.
- Muito bem, companheira! - começou a Eddog.
Tenho comigo umas três laudas, com firma reconhecida nos cartórios
infernais, sobre as reivindicações da AIC - Associação Infernal Canina;
instituída pelos honoráveis membros caninos do Hades e reconhecidos
filhos de Cérbero.
devem ser tratadas como prioritárias, as seguintes...
- Cadê a pizza? Tô com fome e não agüento mais este "Lerdog" a fazer
discursos prolixos!
Cala a boca, seu...
- Calma, meu... calma, mano!
Que tal cantar um pouquinho aquelas canções românticas que você fez pra
mim?
- Que merda de história é essa, seu babaca do focinho enorme?! A Mínima
vai pensar que eu sou uma cabeça gay!
Não fiz aquelas canções para você porra nenhuma e só canto quando se
fizer o mais absoluto silêncio, sou uma cabeça artista, filho do cão!
- Meu Exu pretinho dos calções pretos! - gritou Madame Mínima.
Assim, caminharam todos para o interior do castelo, imaginando como
seria aquela nova família...
Continua...
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